terça-feira, outubro 31, 2006


Margarida e o segredo

Como melhor amiga, best friend, mesmo the very best, não posso revelar aqui o segredo da Margarida. Não! Não insistam! Ela nunca mais iria confiar em mim.
Sei que ela tem um segredo , escondido dentro do seu coraçãozinho.Um segredo com sabor a coisas doces e com cheiro a rosa e a lavanda.
Já vos disse que não. _______________Silêncio.____________Boca fechada e maxilares cerrados. E adesivo! Muito adesivo nos lábios.
O segredo da Margarida é só meu e dela. Principalmente dela, claro está.

A Margarida gosta de segredos.______Guarda-os em caixinhas, que nunca mostra a ninguém. Caixinhas com rótulos. A Margarida adora forrar caixas e colocar daquelas etiquetas bonitas, um pouco british, cheias de florinhas e de bichinhos. ____Parece criança.

De facto, a Margarida é uma menina. É a menina dos meus olhos._____ Tenho de olhar por ela e de a proteger. Principalmente dela própria, mais das vezes. Não quero que ela se magoe mais.

É por isso que sou a guardiã das palavras da Margarida. Ela é mesmo uma Margarida branca e ingénua num imenso prado verde.E se o vento a ataca? Se um sol a queima?________

A Margarida tem um segredo. Essa palavra...

- Diz-me uma coisa...
- Sim, Margarida...
- Achas que o silêncio tem cor?

sábado, outubro 21, 2006

-Porque nos tiraste da gaveta?, perguntaram as palavras à Margarida.
- Não sei, respondeu a Margarida. Verdadeiramente, não sei.

terça-feira, outubro 17, 2006


A Margarida e o puzzle

Há dias em que a Margarida tem a sensação de ser um puzzle.

Não sei porque hão-de fazer essa cara de espanto. ___ Disse bem : um puzzle! Um desses jogos constituídos por pecinhas pequenas, que se ajustam até formarem um todo. Há-os para gente crescida e para meninos de todas as idades.___ A Margarida sente-se um puzzle de difícil construção. Tem algumas peças a mais e outras peças a menos.É bem capaz de ter um parafuso a menos, mas isso não conta aqui para nada. Os parafusos só serão necessários no momentode montar a moldura.

Eu até acho a Margarida bastante normalinha, mas ela insiste em dizer-me , que tem uma sensação profunda , quase dolorosamente física de ser um puzzle. Como se fosse assim uma coisa cheia de complicações, que muita gente tenta decifrar e acaba por desistir, começando por ela própria. As sua palavras, por exemplo, os seus sonhos, as suas vidas secretas e os seus mundos ocultos____ tudo puzzles. Pedacinhos. Pecinhas.

Quando a Margarida se põe a pensar, transforma-se num verdadeiro quebra-cabeças.

- Então , Margarida? Que estás aí a fazer com a tesoura e a cola?

-Estou a tentar centrar-me.

segunda-feira, outubro 16, 2006


Margarida e a poção mágica
A Margarida anda à procura da poção mágica. Uma essência inspiradora____será ?
Deixou um frasquinho ao luar para evaporar as sombras , deixou outro frasquinho ao Sol para captar a luz e, finalmente, um terceiro frasquinho vazio , no intuito de captar o Tudo. Ou o Nada. Ou o Tudo e o Nada.
Têm razão. Se calhar isto não faz sentido nenhum. Mas a Margarida é assim. Meio tonta. Meio diferente. Sabe que tem um olho no meio da fronte, o que pode fazer dela um cíclope. Ou não. ___Sabe que tem umas orelhas grandes para ouvir melhor, como o Lobo Mau____mas ela não é má.
Intrigante, isto. Muito intrigante.
A Margarida gosta de palavras. Isso já toda a gente sabe. Antigamente, servia-se das palavras para inventar sonhos. Hoje, as palavras servem-se dela. As palavras fazem dela sua serva.
- Vá , Margarida, pega em nós e leva-nos para longe, apetece-nos viajar.
E a Margarida escreve____ A Deliciosa Viagem das Palavras às ilhas do Pacífico.
Cansada de palavras exigentes e manipuladoras, a Margarida vira-se para outros símbolos. Os números são simpáticos. Os signos astrológicos também são simpáticos. Dizem muito mais e exigem muito menos do que as Palavras. Os signos só falam de sombra e de luz. Tipo bilhete para a tourada, só que a Margarida não gosta de touradas. Tipo estar sentada ao sol, ver uma sombra e adivinhar de que se trata. Será um ramo de árvore? Será a asa de um anjo? Não, os anjos não fazem sombra a ninguém. Enfim... coisas da mente complexa e imaginativa da Margarida.
Como ser humano normal, que sou, há dias em que nem eu própria a entendo.
Aposto que isto também não faz sentido nenhum para a maioria de vós. Mas como a maioria de vós deve ser um número reduzido de pessoas, a importância do sentido torna-se irrelevante.
Faz sentido para a Margarida. Disso tenho a certeza.
Por mim, é deixá-la com os seus frasquinhos e os seus símbolos.
-Margarida, tem cuidado com o Sol!
Sol, Sol___ Do, Re, Mi, Fa, Sol.







Who cares ?,respondeu a Margarida.

A Margarida passou a semana a ler. Se repararem bem, tem os olhos avermelhados, não apenas das letrinhas pequenas dos livros , mas também do brilho e da luminosidade do écran do seu portátil.

-E por que razão andou a rapariguita a ler tanto, ao ponto de estragar a vista?

Apeteceu-lhe. ___ Tem destas manias, a miúda.Passou a semana a ler e a escrever.Misteriosamente mergulhada em pilhas de papel, livros e sempre frente ao computador, leu, escreveu, imprimiu, tomou notas, apagou, releu, reescreveu e depois leu, leu, leu.______

Desconfio que a Margarida anda com alguma escondida na manga.Quando põe uma ideia na cabeça, ninguém a segura.

-Margarida, estão todos tua espera.Vê lá mas é se tiras essa tralha toda de cima da mesa da casa de jantar. O pessoal quer jantar.

- Who cares?

quarta-feira, outubro 11, 2006


Margarida e a Tristeza

A Tristeza surge quando menos se espera, como uma névoa crepuscular. Insinua-se nas páginas amarelecidas de um diário, impõe-se no sorriso emoldurado de um querido morto,salta na imagem de uma qualquer película cinematográfica, na margem de um texto. Tudo ou nada podem levar à Tristeza.________ A própria palavra já é triste per si.
A Margarida é um ser sensível. Um ser sensível. Um ser sensível.___
- Margarida, sou eu.Se calhar precisava de falar contigo., diz o actor da novela.
Mas hoje a Margarida não quer falar com ninguém.Rumina pensamentos desde manhã.Refugiou-se na casinha da árvore.____Colocou um cartaz no primeiro ramo:
Encerrado para pensar.____________________
Os pássaros, seus habituais companheiros, espreitaram à janela.__Que se passa? !?!?! A Margarida não canta, não pula , não dança, não escreve. ___Até o piano se calou. Negro. Enlutado.
-Margarida, sou eu.Precisava de falar contigo.Repete a gravação. Na televisão. Na televisão. Na televisão.
-Porque estás triste, minha querida?
A Tristeza insinua-se. Nua. Nua. Insinua. Se. ____

terça-feira, outubro 10, 2006












Estava escrito


A Margarida escolheu nascer numa casinha branca, que ficava na rua principal da sua aldeia. Isto não deve ter sido apenas coincidência, porque mesmo, mesmo em frente, vivia o Senhor Carlos Veterinário, no andar térreo e, no primeiro andar, ficava a casa da Dona Isabel, a Senhora Professora da escola dos meninos grandes.

Digo que não deve ter sido mera obra do acaso , visto que a Margarida sempre gostou de animais e de livros. Penso que esse gosto , já lhe vinha possivelmente de outras vidas, de outros espaços, de outros tempos; duma altura em que nem a Margarida nem os seus pais se lembravam.
Sim, porque a Margarida poderia muito bem ter nascido noutro lugar qualquer. Talvez até em sítios mais bonitos e mais interessantes do que a sua aldeia. A Margarida poderia ter escolhido nascer no Casal dos Bravos, por exemplo, uma bela localidade rodeada de urze, de cheiro a mato e desses pinheiros bravos , que tinham dado o nome ao casal. Mas não...

Eu acredito que qualquer coisa se passou na cabecita daquela Margaridinha bébé, ainda muito muito pequenina, quase minúscula de tão pequenina. Algo inexplicável e maravilhoso que a levou à escolha desse particular local de nascimento.

A Margarida já amava as palavras muito antes de nascer; já sabia que o Senhor Carlos veterinário tinha na sua biblioteca montes de livros imensos, com muitas muitas folhas, cheios de letrinhas pequeninas e desenhos de animais de toda a espécie. A Margarida já sabia , que iria redescobrir o gosto e o cheiro dos livros na casa do Senhor Carlos. E como para poder ler as palavras, precisaria de aprender as letras, nada melhor do que ter ali mesmo à mão, a dois passos da sua casinha, a casa da Senhora professora e da sua paciente mãe, a Dona Hermínia. A Margarida escolheu nascer no sítio certo .

- Então? Soube que já te nasceu a menina. Não era lá para Janeiro?

- Era, disse o pai da Margarida, mas adiantou-se. Veio quase um mês mais cedo. Estava com pressa de nascer.

A Margarida tinha pressa de saber, de aprender o mundo, de folhear os livros, de decifrar as letras. A Margarida escolheu nascer muito pertinho das palavras.

segunda-feira, outubro 09, 2006


A Margarida gosta de palavras.
A Margarida começou muito cedo a brincar com as palavras.Eram as suas únicas amigas nas tardes de chuva. As palavras também eram as suas irmãs durante as longas e frias noites de Inverno. Nessas noites em que a cama do quarto escuro parecia sempre grande demais.Margarida, às vezes curiosa, às vezes amedrontada, pegava num do seus livros e agarrava-se às palavras até adormecer.
-Estás sempre a ler até tão tarde. Cansas a vista, dizia a mãe.
Margarida lembra-se das histórias, que a mãe lhe lia, quando ainda era menina.