sábado, dezembro 02, 2006

Margarida e o Homem do Rochedo
- Tudo bem, disse a Margarida, podes entrar e olhar em silêncio.Está um dia bonito, hoje, para um dia de Outono.Abre um pouco a janela. Isso. Devagarinho, muito devagarinho, para que os teus olhos se habituem à claridade da manhã. Repara naquele homem, sentado no rochedo à beira-mar. Conheço-o. Vem cá todos os Domingos.Chega por volta das oito e , se a maré o permite, senta-se naquele mesmo lugar. Nunca escolhe outra pedra qualquer. Escolhe sempre aquele rochedo negro. Imagino que tem o coração envolto em sombras.Imagino que tem, algures, a alma cativa. Tu, não dizes nada. Eu sei. Também não gostas de falar de ti.Também tu te envolves nas sombras dos teus sonhos e há noites em que os teus delírios ganham formas femininas.Eu conheço aquele homem. Vejo-o sentado no rochedo todas as manhãs de Domingo. Os Domingos são duros de passar para quem tem a alma cativa.São dias de Sol em corações de Lua. Chora! Podes chorar.Comigo, todos podem chorar, porque eu sei da Dor e de todas as suas nuances.Pensas talvez que eu sei demais. Mas nunca se sabe demais da Dor e da Vida. Estou certa de que aquele homem também chora.
...
- Não. Não digas nada, prosseguiu a Margarida. Está tudo bem. Podes vir aqui todos os dias. Entras e ficas em silêncio. Entras e sorris. Entras, folheias uma página, observas um retrato e choras. Conheço aquele homem, além, à beira-mar. Também o conheço do silêncio do monte e do recolhido rio.Conheço os recantos por onde passeia a solidão.Conheço os seus jardins secretos.Pensas talvez que eu conheço bem demais esses recantos, mas nunca se conhece bem demais os recantos do Pranto e do Riso. Não!... eu não estou louca. Apenas sei. Conheço aquele homem. Conheço. Como sei de ti e de todos os que se chegam a mim. Assim como sei dos silêncios.
...
- Às vezes penso em estender-lhe a mão, desabafou a Margarida. Afagar-lhe a nuca. Passar ao de leve os meus dedos sobre os seus lábios e sussurar-lhe " Não precisas dizer nada".