sexta-feira, abril 13, 2012

Papel amarelecido


Há anos que não visitava a Margarida. Como o tempo passa! Passa e passa e  nós, correndo por entre os dias, as semanas, os meses e os anos, esquecemo-nos até de nós próprias. Somos mulheres, mães, filhas,  tias, primas... Somos mulheres ocupadas, requisitadas, obrigadas a calar a voz que nos chama, que nos pede para sonhar e escrever.Tal como a Margarida, acabo por não ver o escorrer dos dias por entre os dedos embora sinta o tempo nas articulações, nas falanges doridas, na pele mais frouxa.E depois... depois há sempre um espelho que reflete um rosto cada vez mais cansado, cada vez mais magro, cada vez mais afastado da imagem que a memória ainda teima em reter.
Há muito tempo já, que não visitava a Margarida. No entanto, hoje, li um poema em que a revi e tomei a decisão de aqui voltar. Há poemas assim. Tal como há cartas, mensagens, romances, filmes e tantos outros sítios onde as palavras se mostram e revelam apontando caminhos para a Alma, para o Sonho, para a nostalgia do Passado ou uma saudade do Futuro. Já nem sei!
Vim vê-la e senti-a cansada. Não. Não fiquei desiludida nem triste, mas apenas constatei que a Margarida perdeu o aroma e a esperança da Primavera. Estava calada e quieta no cadeirão da sala, olhando tristemente para um pedaço de papel amarelecido pelo tempo. Não me atrevi a perguntar a razão da sua quietude, da sua infinita melancolia. Só sei que pairava no ar um cheiro a mel e a canela e que todo o ambiente estava envolto numa suave melancolia.
É possível que a Margarida estivesse a ler algo que escreveu há muitos anos. Talvez uma carta que nunca tivesse cumprido o seu destino. Palavras que ficaram por dizer ganhando a patine que só o Tempo e a Dor sabem oferecer. É possível...
Não a quis incomodar com perguntas . Sei bem como ela odeia ser interrompida quando viaja em silêncio no mundo dos sonhos. E também sei dos sonhos da Margarida. Sei daqueles mundos misteriosos que ela inventa, lugares únicos em que é verdadeiramente feliz ou desesperadamente infeliz.
A Margarida tinha entre as mãos um papel amarelecido.Uma carta, um poema, um recado de outrora.Nem reparou em mim e eu escolhi sair de mansinho.
Não escolhi um bom dia para conversarmos e no entanto teria tanto para lhe dizer.Mas se calhar as palavras ditas não possuem o peso das palavras escritas. Se calhar o silêncio é o melhor caminho para o coração daqueles que se estimam.
Voltarei amanhã, para a semana talvez. E não, não vou chorar.A Margarida é a menina dos meus olhos e não quero alagá-la com os meus próprios problemas.