Tenho a chave de casa da Margarida assim como ela tem a minha. Coisa de amigas de longa data. Não vá uma de nós esquecer ou perder a sua, aparecer para dar de comer ao gato, regar as plantas, arejar caso alguma parta de férias... enfim, o costume.
E ainda bem que tenho sempre a chave dela na carteira. Hoje, toquei à campainha e ela não abriu. Voltei a tocar. Nada. Achei estranho, porque ela nunca costuma sair de manhã.
Já tinha apanhado uma molha para chegar até cá e não me apetecia voltar de novo para a rua naquele estado. Uma constipação, na minha idade, Pode ser perigoso. uma pessoa constipa-se, piora, vai às urgências do hospital e ainda volta de lá como uma bactéria qualquer que nos leva desta para melhor. Não! Ainda há um bom pedaço de vida para viver!
Tirei a chave da mala e entrei. Procurei-a no quarto, na sala,na marquise até, e não estava. Passei pela cozinha e deparei com uma prateleira nova pintada de branco e enfeitada com rosas. Sobre a mesma, uma colecção de latinhas de chá e, pendurados, um paninho florido, duas frigideiras por estrear em azul e rosa e um lindíssimo coração com um pássaro. A cara da Margarida! Nunca deixará de ser uma romântica!
Como sabem, conheço-a há tantos anos já e ela continua a surpreender-me. Tem jeito para tudo enquanto eu passo os dias a ler, a escrever, a deixar que o pó me permita desenhar em cima da mesa da sala. O lar da Margarida é uma casinha de bonecas e a minha casa é um velho museu de família, cheio de recordações e completamente invadido por papel sob todas as suas formas: fotos, livros, revistas, cadernos, dossiers... Bem gostaria de ser como a minha amiga com um sítio para cada coisa e cada coisa no seu sítio, mas é mais forte do que eu. Aposto que sou uma alegria para os ácaros!
Voltando ao assunto que aqui me trouxe: a Margarida não se encontrava em casa esta manhã! Fiquei preocupada e liguei-lhe. Não atendeu. Ainda com a gabardina ensopada pela chuva, pus a chaleira ao lume e fui buscar uma daquelas chávenas inglesas para preparar um chá de maçã e canela. De seguida, peguei na caixinha dos biscoitos e já me preparava para um segundo pequeno-almoço, quando a porta da rua se abriu.
- Olá, menina! Como é que adivinhaste que me estava mesmo a apetecer um chazinho?
- Porque sabia que estavas a precisar de companhia. Então foste sair com este tempo?
- Fui à tua casa para te levar uns biscoitos que fiz ontem. Como não estavas, abri a porta e deixei-tos em cima da mesa da cozinha. Ainda bem que tenho a tua chave!
- E não atendeste o telefone porquê?
-Calculei que estivesses aqui e apeteceu-me surpreender-te.
A minha Margarida é assim! Amizade repleta de amor!
C.S.