quarta-feira, abril 20, 2016

Margarida e as nossas chaves

 
Tenho a chave de casa da Margarida assim como ela tem a minha. Coisa de amigas de longa data. Não vá uma de nós esquecer ou perder a sua, aparecer para dar de comer ao gato, regar as plantas, arejar caso alguma parta de férias... enfim, o costume.

E ainda bem que tenho sempre a chave dela na carteira. Hoje, toquei à campainha e ela não abriu. Voltei a tocar. Nada. Achei estranho, porque ela nunca costuma sair de manhã.

Já tinha apanhado uma molha para chegar até cá e não me apetecia voltar de novo para a rua naquele estado. Uma constipação, na minha idade, Pode ser perigoso. uma pessoa constipa-se, piora, vai às urgências do hospital e ainda volta de lá como uma bactéria qualquer que nos leva desta para melhor. Não! Ainda há um bom pedaço de vida para viver!

Tirei a chave da mala e entrei. Procurei-a no quarto, na sala,na marquise até, e não estava. Passei pela cozinha e deparei com uma prateleira nova pintada de branco e enfeitada com rosas. Sobre a mesma, uma colecção de latinhas de chá e, pendurados, um paninho florido, duas frigideiras por estrear em azul e rosa e um lindíssimo coração com um pássaro. A cara da Margarida! Nunca deixará de ser uma romântica!

 Como sabem, conheço-a há tantos anos já e ela continua a surpreender-me. Tem jeito para tudo enquanto eu passo os dias a ler, a escrever, a deixar que o pó me permita desenhar em cima da mesa da sala. O lar da Margarida é uma casinha de bonecas e a minha casa é um velho museu de família, cheio de recordações e completamente invadido por papel sob todas as suas formas: fotos, livros, revistas, cadernos, dossiers... Bem gostaria de ser como a minha amiga com um sítio para cada coisa e cada coisa no seu sítio, mas é mais forte do que eu. Aposto que sou uma alegria para os ácaros!

Voltando ao assunto que aqui me trouxe: a Margarida não se encontrava em casa esta manhã! Fiquei preocupada e liguei-lhe. Não atendeu. Ainda com a gabardina ensopada pela chuva, pus a chaleira ao lume e fui buscar uma daquelas chávenas inglesas para preparar um chá de maçã e canela. De seguida, peguei na caixinha dos biscoitos e já me preparava para um segundo pequeno-almoço, quando a porta da rua se abriu.

- Olá, menina! Como é que adivinhaste que me estava mesmo a apetecer um chazinho?
- Porque sabia que estavas a precisar de companhia. Então foste sair com este tempo?
- Fui à tua casa para te levar uns biscoitos que fiz ontem. Como não estavas, abri a porta e deixei-tos em cima da mesa da cozinha. Ainda bem que tenho a tua chave!
- E não atendeste o telefone porquê?
-Calculei que estivesses aqui e apeteceu-me surpreender-te.

A minha Margarida é assim! Amizade repleta de amor!

C.S.

quinta-feira, março 05, 2015

Nostalgia


Ao que tu chegaste, Margarida! Olhas-te no espelho e não te reconheces. Nos sulcos do teu rosto, pequenos riachos de águas salinas escorrem até às margens dos lábios ressequidos. É tão pouco aquilo que te faz sorrir! Talvez um pedaço de céu azul, um raio de Sol, os gritos das crianças que te chegam do jardim público.

Estás só, Margarida.Só numa casa que se foi esvaziando aos poucos.Cresceram uns e sairam. Partiram outros para um lugar melhor. E os que ficaram, Margarida... os que ficaram mergulham num silêncio que tu não entendes.

Ao que tu chegaste, Margarida! Lembras-te dos dias em que te nasciam marés vivas no olhar, tantas ondas de paixão e vastas planícies feitas de sonhos e de heras, de cavalos correndo livres na pradaria?

Assim foste, Margarida! Assim te conheci, mulher viva e inteira, árvore e seiva, potra e planície, terra e flor, estrela e brilho!

Vim hoje visitar-te e encontrei-te triste. Tão triste como as aves às quais cortaram as asas, os cães acorrentados a uma argola de ferro, as ruínas de uma casa que se cobriu de musgo.

-Em que estás a pensar, amiga?
- Nostalgia, Margarida. Quero-te de novo a sorrir. Só tu podes mudar o teu mundo e tenho a certeza de que és capaz de dar forma aos teus sonhos!

Sorriste um pouco, menina dos meus olhos. Talvez amanhã, ao voltar, te tenham crescido novas penas nas asas. Talvez amanhã recomeces a voar!

sexta-feira, abril 13, 2012

Papel amarelecido


Há anos que não visitava a Margarida. Como o tempo passa! Passa e passa e  nós, correndo por entre os dias, as semanas, os meses e os anos, esquecemo-nos até de nós próprias. Somos mulheres, mães, filhas,  tias, primas... Somos mulheres ocupadas, requisitadas, obrigadas a calar a voz que nos chama, que nos pede para sonhar e escrever.Tal como a Margarida, acabo por não ver o escorrer dos dias por entre os dedos embora sinta o tempo nas articulações, nas falanges doridas, na pele mais frouxa.E depois... depois há sempre um espelho que reflete um rosto cada vez mais cansado, cada vez mais magro, cada vez mais afastado da imagem que a memória ainda teima em reter.
Há muito tempo já, que não visitava a Margarida. No entanto, hoje, li um poema em que a revi e tomei a decisão de aqui voltar. Há poemas assim. Tal como há cartas, mensagens, romances, filmes e tantos outros sítios onde as palavras se mostram e revelam apontando caminhos para a Alma, para o Sonho, para a nostalgia do Passado ou uma saudade do Futuro. Já nem sei!
Vim vê-la e senti-a cansada. Não. Não fiquei desiludida nem triste, mas apenas constatei que a Margarida perdeu o aroma e a esperança da Primavera. Estava calada e quieta no cadeirão da sala, olhando tristemente para um pedaço de papel amarelecido pelo tempo. Não me atrevi a perguntar a razão da sua quietude, da sua infinita melancolia. Só sei que pairava no ar um cheiro a mel e a canela e que todo o ambiente estava envolto numa suave melancolia.
É possível que a Margarida estivesse a ler algo que escreveu há muitos anos. Talvez uma carta que nunca tivesse cumprido o seu destino. Palavras que ficaram por dizer ganhando a patine que só o Tempo e a Dor sabem oferecer. É possível...
Não a quis incomodar com perguntas . Sei bem como ela odeia ser interrompida quando viaja em silêncio no mundo dos sonhos. E também sei dos sonhos da Margarida. Sei daqueles mundos misteriosos que ela inventa, lugares únicos em que é verdadeiramente feliz ou desesperadamente infeliz.
A Margarida tinha entre as mãos um papel amarelecido.Uma carta, um poema, um recado de outrora.Nem reparou em mim e eu escolhi sair de mansinho.
Não escolhi um bom dia para conversarmos e no entanto teria tanto para lhe dizer.Mas se calhar as palavras ditas não possuem o peso das palavras escritas. Se calhar o silêncio é o melhor caminho para o coração daqueles que se estimam.
Voltarei amanhã, para a semana talvez. E não, não vou chorar.A Margarida é a menina dos meus olhos e não quero alagá-la com os meus próprios problemas.


domingo, outubro 04, 2009

Margarida e o Outono

De novo o Outono. Em breve o Inverno. E este calor desmentindo todas as estações. Tempo insistente como Marte em Carneiro, que teima em não deixar chegar a chuva.

- Quando o tempo mudar, disse-me a Margarida, hei-de estrear as minhas botas de montar e sairei a galope pelos prados de ouro!Sei de um local onde a Terra guarda tesouros, mas fica longe, tão longe...!

Margarida de olhos imensos e sonhos ainda maiores do que as órbitas olha para Espanha. De lá não lhe chegaram nem bons ventos nem bons casamentos, mas antes uma onda de fogo que a vai matando aos poucos.

- Sabes, quando o tempo mudar, eu hei-de curar as feridas______________... Poderei respirar. Quando o tempo mudar, a terra rodar e o Outono chegar.

quinta-feira, setembro 10, 2009


Estava capaz de pegar na velha mala verde com rodinhas e de nela enfiar, sem pensar demasiado, uma meia dúzia de mudas de roupa, uns livros, não muitos, e o essencial para os devidos cuidados de higiene e limpeza. E ainda um perfume. O "Intense" do Hugo Boss, um dos meus favoritos, por ser doce, por ser intenso. Mulher que se preze não sai à rua sem perfume .



Pois estava capaz de ir rever Florença. Sim, Florença, porque não? Sempre sonhei poder um dia lá voltar. Esta frase cheira-me a frase feita, mas é o que se pode arranjar. Nunca prometi ser muito original. Desengane-se quem visita o blog da Margarida em busca de intelectualidades. A Margarida é simples, como a flor que lhe deu o nome.


No entanto, não estou aqui para falar da Margarida. Está de férias e não a vou perturbar. É por ela estar de férias que eu achei que podia sair daqui. Também sou filha de Deus, ora essa!

Mas desta vez, não iria a Florença numa viagem organizada pela agência A, B ou C. Os guias são maçadores, são demasiado organizados para fazer juz às suas agências e não nos deixam ver aquilo que verdadeiramente queremos ver. Pegam no chapéu de chuva vermelho, levantam-no no ar ar qual estandarte e gritam o tempo todo : "Follow me! Follow me! E depois passam a vida a contar-nos, não vá algum perder-se, como se fossemos meninos do jardim infantil em passeio ao Zoo ,no dia mundial da criança.

Não. Desta vez, nada de viagens organizadas. Poderia apetecer-me ficar horas na Piazza a dar milho aos pombos. Também poderia apetecer-me adormecer junto à estátua de David, sonhar com o Leonardo Da Vinci, rezar um Pai-Nosso pela Alma do Miguel Angelo, reler o Príncipe do Maquiavel... São estas coisas que os guias sempre nos impedem de fazer.

Estou seriamente capaz de ligar à Margarida e de lhe dizer:

- Olha, se eu não estiver em casa quando regressares não te alarmes. Parti para Florença. Arriverderti! Ciao!

Será que em Florença vendem milho para dar aos pombos? Hum...

terça-feira, agosto 04, 2009


Margarida e o romance inacabado
Conheço a Margarida melhor do que ninguém. Muito melhor do que qualquer outra amiga, melhor do que a sua família, melhor até, estou segura, do que a própria mãe dela. A Margarida é a menina dos meus olhos e eu sei de toda a sua luz e de todas as suas sombras. Não, não estou a exagerar nem a armar-me em convencida.
Há amigas que julgam conhecê-la apenas porque ela lhes faz confidências de vez em quando. Desenganem-se. A Margarida não conta os seus segredos às outras amigas. Pelo menos os segredos-segredos, aqueles que são mesmo secretos. O que ela confidencia às amigas, são pequenos desabafos, pequenos aborrecimentos, pequenas dificuldades. A Margarida é um livro aberto, dizem elas, conta-nos a sua vida toda.
Mentira. Puro engano. O que ela diz a uma é o que diz a todas, é o que toda a  gente sabe ou adivinharia ainda que ela não contasse palavra. Um segredo que toda agente conhece é um não-segredo. Segredo verdadeiro é o silêncio, a não-palavra. Segredo é aquilo que alguém não diz e que outro adivinha, é o que é hermético, oculto, velado. O que a Margarida conta às amigas são histórias.
Já eu, eu leio na Margarida. Decifro a linguagem das suas águas claras, a severidade das suas águas escuras e profundas, a alegria do seu riso, a angústia da sua alma em chamas. Para mim, a Margarida é um romance inacabado, mas adivinho sempre o destino que ela vai dando aos personagens da sua vida, o próximo twist que ocorrerá nas suas acções, a forma como dará início ao capítulo seguinte. Adivinho porque sim, porque sei da Margarida como sei do meu próprio ser. Basta-me olhá-la nos olhos, ela que é a menina dos meus olhos, como já vos disse tantas vezes.
As outras, as amigas, pensam que sabem muito, que sabem tudo, mas sabem apenas das aparências ou não sabem nada de nada. Sabem de histórias da Margarida.
Mas não pensem que vou aproveitar para aqui fazer revelações acerca da Margarida. Ela nunca me perdoaria e eu própria seria incapaz de a trair. É o nosso pacto, o nosso acordo, feito de gestos desenhados no silêncio, de muitos momentos a sós com nós próprias, de uma extrema confiança.
- O que é que pr´aí a escrevinhar?, pergunta-me a Margarida.
- Nada de especial... apenas um segredo meu.

domingo, agosto 02, 2009