sexta-feira, fevereiro 22, 2008

Margarida e a visita

A Margarida estava insegura e angustiada, naquela tarde. Nada parecia poder acalmá-la, nem sequer o chá de menta, que eu lhe preparara com carinho.

- Toma este cházinho, Margarida. Vai fazer-te bem.Tenta relaxar.

Mas ela não me ouvia. Dava ideia de que um poderoso vendaval se apoderara da sua mente, que um vulcão estava prestes a entrar em erupção dentro do seu corpo. O sangue pulsava-lhe nas artérias, de tal modo que eu conseguia ver cada estremecimento daquele peito agitado, adivinhar cada batida do seu coração.

-Há-de chegar! Há-de chegar!, murmurava a Margarida.

- Sim, Margarida...sei que esperas alguém... não queres dizer-me de quem se trata?

-Há-de chegar! Há-de chegar!

A sala estava envolta numa doce penumbra e a cortina filtrava um breve e fugidio raio de sol.
Duas cadeiras. Entre elas, uma mesa. Sobre a mesa, um ramo de rosas . E ainda uma taça de frutos vermelhos, uma garrafa de Porto. A Margarida esperava uma visita. Tinha tirado do louceiro os melhores copos de cristal, da arca do enxoval a mais bela toalha bordada e, por toda a casa, pairava um aroma exótico de incenso, laranja e canela.

Pasmei perante esta contradição entre o sentir da Margarida e a serenidade do espaço, que ela habitava. A Margarida esperava uma visita. Mas quem? Quem poderia perturbar assim a minha amiga, a menina dos meus olhos?

- Deixa-me só! Vai!

Voltei na manhã seguinte.Tudo estava na mesma. Os frutos vermelhos. A garrafa de Porto. A toalha bordada. Os copos de cristal. Apenas a luz era agora mais forte. O aroma menos intenso.

A um canto, dobrada sobre si mesma, Margarida chorava silenciosamente.

-Podia ter sido ontem, gemeu. Podia ter sido ontem...


segunda-feira, fevereiro 11, 2008


Margarida e os reflexos

Muitos momentos na vida da Margarida não passam de reflexos. Imagens repetidas, fragmentadas, recoladas. Palavras ditas e reditas, decoradas, esquecidas.

Há um aroma a cappucino, que me ficou de uma tarde à beira Tejo. Reflexos de água. Reflexos de uma mesa de zinco... Ecos. Palavras soltas.

sexta-feira, fevereiro 08, 2008

Margarida encontra na Solidão a LIBERDADE de se encontrar consigo mesma.
O Passado trouxe um raio de LUZ com a tempestade.
O Presente é a Dádiva de VIVER E DE SER , enquanto um Futuro que ainda não se vislumbra, trará PÁSSAROS VERMELHOS em marés de Agosto.

terça-feira, fevereiro 05, 2008

Margarida e o bistro

Encontrara-o ali, no bistro da esquina, por entre aromas de café e a baforadas de cigarros, nos tempos em que fumar ainda não se tratava de acto condenado. Era o amigo de uma amiga de uma outra amiga que também o conhecia e achava que ele era boa pessoa.Sim, porque todos os viúvos que se vestem de negro e cinzento e vão à missa aos domingos e no dia de finados são forçosamente pessoas de bom coração.

Margarida chegara ferida ao bistro. Magoada de muitas lutas, de asas cortadas, receosa e tímida. Eu bem a avisei: "Vê lá miúda... pensa bem... as aparências iludem." Mas vocês sabem como é a Margarida. Teimosa, um coração de manteiga, logo se enterneceu por aquele senhor, que quase tinha idade para ser pai dela, mas que parecia carente e indefeso. Magro, com má cara, tão triste o pobrezinho... E não é que daí a dias pasmei ao vê-los ir rua abaixo de braço dado como um casal de namorados!

Isto só com a Margarida! Tem uma alma grande e não suporta ver o sofrimento. Já em pequena curava as asinhas dos pássaros feridos, alimentava a biberão os gatitos da vizinhança, trazia crianças ciganas para casa, dava-lhes banho e comida... Foi sempre assim desde nova. Quem a quer ver contente é a cuidar de alguém, mas insiste em não cuidar dela mesma.

Eu sabia que ela estava a meter-se num grande sarilho e não me cansei de lhe chamar a atenção. "Olha que ele tem uns olhos negros e opacos. Não inspira confiança. Tu é que inventas o amor onde o amor não existe."

Encontrei-a há dias, passados que foram um bom par de anos. "Então, Margarida?" Ela entreabriu a blusa de algodão branco e mostrou a ferida de um coração que sangrava.

A Margarida é a menina dos meus olhos. Não consigo vê-la magoada, muito menos por quem nunca a mereceu. Hei-de oferecer-lhe um baton vermelho e um par de sapatos de salto alto para que volte a sorrir, para que volte a dançar. aqueles olhos negros e opacos nunca me enganaram...