sexta-feira, dezembro 12, 2008


Choveu o dia inteiro. A Margarida entrou pela loja a sorrir. Estranhei.Pela chuva que caía.A Margarida não sorri muito nestes dias.Costuma ficar colada à janela da salinha, olhando ao longe, ao longe, muito para além do parque, para além do rio.

-Quando chove, dizia-me ela há tempos com lágrimas nos olhos, é sinal de que os deuses estão a tentar lavar a Terra da maldade dos homens.Gostava que chovesse dentro de mim.

A Margarida é a minha menina querida. Nos dias de chuva, eu costumo chorar com ela. Quando chove, ambas tentamos lavar a maldade dos homens.

Hoje, a Margarida sorria ao entrar-me na loja. E no entanto chovia...

Esta noite, vou deixar uma rosa no seu chá de jasmim. E um raio de lua, talvez...

sábado, maio 03, 2008

Margarida e as Rosas
Memórias antigas
Tempos houve em que a Margarida foi dona de um jardim.
E nesse jardim floresciam rosas a cada Primavera.
Rosas brancas, rosas vermelhas, rosas amarelas e rosas cor-de-rosa.

Mas os Tempos mudaram,
como sempre tudo muda na vida da Margarida.
Foi-se o jardim.
Foram-se as rosas.
Hoje, a Margarida tem rosas imortais espalhadas pela casa.

Rosas na cama.
Rosas nas loiças.
Rosas nos tapetes.

Rosas brancas. Harmonia.
Rosas vermelhas. Paixão.

Rosas amarelas. Alegria.
Rosas rosas ! Coração!


(E ainda aquelas rosas em fundo negro , que lhe povoam a Alma. Mas eu desconfio que a Margarida também usa uns óculos de lentes cor-de-rosa, os quais lhe permitem ver a Vida com mais Luz. Serão os olhos da Poesia? Feliz Margarida, às vezes tão criança ainda!)



sexta-feira, maio 02, 2008



Margarida e a janela

Havia, naquela janela, qualquer coisa de misterioso e místico. Margarida, só há mil vidas, procurava adivinhar a sombra, que passearia do lado de lá da cortina, os títulos dos livros repousando nas velhas estantes de madeira, umas mãos quentes prometedoras de carícias, talvez a película de um antigo filme ou quiçá a voz quente do Bécaud...

Havia, naquela casa, um enorme ponto de interrogação.

Margarida, detentora da chave dos Sonhos diluídos, portadora das palavras e das marés nocturnas, senhora dos números e das alquimias, escutava a voz do vento bailador por entre as flores.

______________________E sorria!

sábado, março 08, 2008





Vento quente do Sul....

Onde está a voz que chega com o vento quente do Sul, trazendo no eco a vaga tranquila do rio, o rumor do mar batendo na rocha e nos olhos a cor da planície onde cavalos alados voam correndo?
Olho em meu redor e tudo me fala do nome, do olhar, do corpo que não conheço e amo, como se ama Deus e o Sol e o Ar e todas as outras coisas intocáveis que, sem as vermos, nos fazem viver e sentir.
Quando virão as mãos tocar-me na pele, no rosto, nos cabelos, na alma, como já as palavras me tocam na pele, no rosto, nos cabelos , na alma?
Os dias passam e o tempo e os pássaros voam e cantam debicando o fruto das cerejeiras. Doce é o sabor do tempo das cerejas.Os dias passam e eu passo contando o tempo que quisera breve,como os versos ligeiros deste meu canto.
Quão triste é o tempo da espera e nostálgico o momento das marés nocturnas, ternos idílios trazidos pela mão de invisíveis marinheiros de outras viagens.
Onde está a ponte que conduz à outra margem do rio?
Procuro na estrada um caminho mais fácil e apenas vejo as escarpas e os montes e esse ponto distante, que meus olhos não alcançam, perde-se na memória viva do dia.
Alguém deterá o segredo dos mapas e das clépsidras e me apontará o caminho da Luz através desse TEMPO feito àgua e ilha e brisa e espuma.
Alguém virá tocar à minha porta e trará no sorriso as quatro estações, a árvore dourada , o tronco despido, as flores e os frutos.
Chega-me a voz com o vento quente do Sul trazendo no eco o Sonho, a promessa ; penetrante voz que irriga meu sangue e que vive em mim e que respira em mim e me ama e me chama .
Quando virá o dia em que a ponte surgirá a meus pés , tapete rolante para a outra margem?

sexta-feira, fevereiro 22, 2008

Margarida e a visita

A Margarida estava insegura e angustiada, naquela tarde. Nada parecia poder acalmá-la, nem sequer o chá de menta, que eu lhe preparara com carinho.

- Toma este cházinho, Margarida. Vai fazer-te bem.Tenta relaxar.

Mas ela não me ouvia. Dava ideia de que um poderoso vendaval se apoderara da sua mente, que um vulcão estava prestes a entrar em erupção dentro do seu corpo. O sangue pulsava-lhe nas artérias, de tal modo que eu conseguia ver cada estremecimento daquele peito agitado, adivinhar cada batida do seu coração.

-Há-de chegar! Há-de chegar!, murmurava a Margarida.

- Sim, Margarida...sei que esperas alguém... não queres dizer-me de quem se trata?

-Há-de chegar! Há-de chegar!

A sala estava envolta numa doce penumbra e a cortina filtrava um breve e fugidio raio de sol.
Duas cadeiras. Entre elas, uma mesa. Sobre a mesa, um ramo de rosas . E ainda uma taça de frutos vermelhos, uma garrafa de Porto. A Margarida esperava uma visita. Tinha tirado do louceiro os melhores copos de cristal, da arca do enxoval a mais bela toalha bordada e, por toda a casa, pairava um aroma exótico de incenso, laranja e canela.

Pasmei perante esta contradição entre o sentir da Margarida e a serenidade do espaço, que ela habitava. A Margarida esperava uma visita. Mas quem? Quem poderia perturbar assim a minha amiga, a menina dos meus olhos?

- Deixa-me só! Vai!

Voltei na manhã seguinte.Tudo estava na mesma. Os frutos vermelhos. A garrafa de Porto. A toalha bordada. Os copos de cristal. Apenas a luz era agora mais forte. O aroma menos intenso.

A um canto, dobrada sobre si mesma, Margarida chorava silenciosamente.

-Podia ter sido ontem, gemeu. Podia ter sido ontem...


segunda-feira, fevereiro 11, 2008


Margarida e os reflexos

Muitos momentos na vida da Margarida não passam de reflexos. Imagens repetidas, fragmentadas, recoladas. Palavras ditas e reditas, decoradas, esquecidas.

Há um aroma a cappucino, que me ficou de uma tarde à beira Tejo. Reflexos de água. Reflexos de uma mesa de zinco... Ecos. Palavras soltas.

sexta-feira, fevereiro 08, 2008

Margarida encontra na Solidão a LIBERDADE de se encontrar consigo mesma.
O Passado trouxe um raio de LUZ com a tempestade.
O Presente é a Dádiva de VIVER E DE SER , enquanto um Futuro que ainda não se vislumbra, trará PÁSSAROS VERMELHOS em marés de Agosto.

terça-feira, fevereiro 05, 2008

Margarida e o bistro

Encontrara-o ali, no bistro da esquina, por entre aromas de café e a baforadas de cigarros, nos tempos em que fumar ainda não se tratava de acto condenado. Era o amigo de uma amiga de uma outra amiga que também o conhecia e achava que ele era boa pessoa.Sim, porque todos os viúvos que se vestem de negro e cinzento e vão à missa aos domingos e no dia de finados são forçosamente pessoas de bom coração.

Margarida chegara ferida ao bistro. Magoada de muitas lutas, de asas cortadas, receosa e tímida. Eu bem a avisei: "Vê lá miúda... pensa bem... as aparências iludem." Mas vocês sabem como é a Margarida. Teimosa, um coração de manteiga, logo se enterneceu por aquele senhor, que quase tinha idade para ser pai dela, mas que parecia carente e indefeso. Magro, com má cara, tão triste o pobrezinho... E não é que daí a dias pasmei ao vê-los ir rua abaixo de braço dado como um casal de namorados!

Isto só com a Margarida! Tem uma alma grande e não suporta ver o sofrimento. Já em pequena curava as asinhas dos pássaros feridos, alimentava a biberão os gatitos da vizinhança, trazia crianças ciganas para casa, dava-lhes banho e comida... Foi sempre assim desde nova. Quem a quer ver contente é a cuidar de alguém, mas insiste em não cuidar dela mesma.

Eu sabia que ela estava a meter-se num grande sarilho e não me cansei de lhe chamar a atenção. "Olha que ele tem uns olhos negros e opacos. Não inspira confiança. Tu é que inventas o amor onde o amor não existe."

Encontrei-a há dias, passados que foram um bom par de anos. "Então, Margarida?" Ela entreabriu a blusa de algodão branco e mostrou a ferida de um coração que sangrava.

A Margarida é a menina dos meus olhos. Não consigo vê-la magoada, muito menos por quem nunca a mereceu. Hei-de oferecer-lhe um baton vermelho e um par de sapatos de salto alto para que volte a sorrir, para que volte a dançar. aqueles olhos negros e opacos nunca me enganaram...

segunda-feira, janeiro 21, 2008

Dance me to the end of love


E foi assim, a ouvir esta canção do Leonard Cohen, que Margarida se fez à estrada.

terça-feira, janeiro 15, 2008

Margarida e o azul do medo

O dia estava azul. daquele azul acinzentado com que se vestem os dias do medo. Ou da suspeição. Margarida sentia no azul do dia, uma tonalidade estranha, como a cor de uma alma matizada pela diluição do amor e da dúvida. Foi puxando pelos fios do próprio cabelo, como se fosse a flor do seu nome, sussurrando em cantilena melancólica um quer-me muito...pouco...nada...

Margarida desfolhada.