
Encontrara-o ali, no bistro da esquina, por entre aromas de café e a baforadas de cigarros, nos tempos em que fumar ainda não se tratava de acto condenado. Era o amigo de uma amiga de uma outra amiga que também o conhecia e achava que ele era boa pessoa.Sim, porque todos os viúvos que se vestem de negro e cinzento e vão à missa aos domingos e no dia de finados são forçosamente pessoas de bom coração.
Margarida chegara ferida ao bistro. Magoada de muitas lutas, de asas cortadas, receosa e tímida. Eu bem a avisei: "Vê lá miúda... pensa bem... as aparências iludem." Mas vocês sabem como é a Margarida. Teimosa, um coração de manteiga, logo se enterneceu por aquele senhor, que quase tinha idade para ser pai dela, mas que parecia carente e indefeso. Magro, com má cara, tão triste o pobrezinho... E não é que daí a dias pasmei ao vê-los ir rua abaixo de braço dado como um casal de namorados!
Isto só com a Margarida! Tem uma alma grande e não suporta ver o sofrimento. Já em pequena curava as asinhas dos pássaros feridos, alimentava a biberão os gatitos da vizinhança, trazia crianças ciganas para casa, dava-lhes banho e comida... Foi sempre assim desde nova. Quem a quer ver contente é a cuidar de alguém, mas insiste em não cuidar dela mesma.
Eu sabia que ela estava a meter-se num grande sarilho e não me cansei de lhe chamar a atenção. "Olha que ele tem uns olhos negros e opacos. Não inspira confiança. Tu é que inventas o amor onde o amor não existe."
Encontrei-a há dias, passados que foram um bom par de anos. "Então, Margarida?" Ela entreabriu a blusa de algodão branco e mostrou a ferida de um coração que sangrava.
A Margarida é a menina dos meus olhos. Não consigo vê-la magoada, muito menos por quem nunca a mereceu. Hei-de oferecer-lhe um baton vermelho e um par de sapatos de salto alto para que volte a sorrir, para que volte a dançar. aqueles olhos negros e opacos nunca me enganaram...
9 comentários:
Nem sempre as margarias têm aquele sorriso aberto, nem sempre são flores; às vezes são... dores!
(mas a Primavera vem aí...)
abraço!
Belíssimo conto com riquíssimo poder de ficção.
Parabéns!
Um beijinho
do Pepe
Ah! Ainda falta à Margarida, talvez, aprender que só quando se curar primeiro a ela, poderá então curar os outros, não é? *sorriso*
E que a dor do coração se cura, também com Amor no coração... hum... e que tal... o Amor por ela própria?
xiii... ainda bem que a avisaste dos olhos negros... *sorrindo*
Está lindo Clotilde. Amei.
Abraço de luz com muito Amor
Onda Encantada
P.S. Linquei o teu blog, espero que não te importes.
Há pessoas que amam o Amor. Há pessoas que precisam do ato de amar e aí amam sozinhas. São as que magoam-se mais. Margarida deve ser assim.
beijos e eu volto
Gostei da mistura de canela e jasmim, tive curiosidade e vim espreitar.
Achei lindo aquilo que li. Voltarei!
Abraço
Há pessoas que precisam de amar para se sentirem vivas.
Gostei muito.
Beijinho Amiga*
Minha Querida,
Muito obrigada por me teres ido chamar.
Adorei ler-te (como sempre).
Fiquei fã da Margarida.
Um Beijo cheio de Luz
Gostei muito Clotilde. Não sei porquê (talvez por teres utilizado o termo Bistrôt) lembrou-me imediatamente Paris e Piaf. Talvez também pela própria Piaf, não sei. Vou passar a visitar-te regularmente, vai já para a minha lista de preferidos.
Um grande obrigada a todos!
Voltem sempre!
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