terça-feira, fevereiro 05, 2008

Margarida e o bistro

Encontrara-o ali, no bistro da esquina, por entre aromas de café e a baforadas de cigarros, nos tempos em que fumar ainda não se tratava de acto condenado. Era o amigo de uma amiga de uma outra amiga que também o conhecia e achava que ele era boa pessoa.Sim, porque todos os viúvos que se vestem de negro e cinzento e vão à missa aos domingos e no dia de finados são forçosamente pessoas de bom coração.

Margarida chegara ferida ao bistro. Magoada de muitas lutas, de asas cortadas, receosa e tímida. Eu bem a avisei: "Vê lá miúda... pensa bem... as aparências iludem." Mas vocês sabem como é a Margarida. Teimosa, um coração de manteiga, logo se enterneceu por aquele senhor, que quase tinha idade para ser pai dela, mas que parecia carente e indefeso. Magro, com má cara, tão triste o pobrezinho... E não é que daí a dias pasmei ao vê-los ir rua abaixo de braço dado como um casal de namorados!

Isto só com a Margarida! Tem uma alma grande e não suporta ver o sofrimento. Já em pequena curava as asinhas dos pássaros feridos, alimentava a biberão os gatitos da vizinhança, trazia crianças ciganas para casa, dava-lhes banho e comida... Foi sempre assim desde nova. Quem a quer ver contente é a cuidar de alguém, mas insiste em não cuidar dela mesma.

Eu sabia que ela estava a meter-se num grande sarilho e não me cansei de lhe chamar a atenção. "Olha que ele tem uns olhos negros e opacos. Não inspira confiança. Tu é que inventas o amor onde o amor não existe."

Encontrei-a há dias, passados que foram um bom par de anos. "Então, Margarida?" Ela entreabriu a blusa de algodão branco e mostrou a ferida de um coração que sangrava.

A Margarida é a menina dos meus olhos. Não consigo vê-la magoada, muito menos por quem nunca a mereceu. Hei-de oferecer-lhe um baton vermelho e um par de sapatos de salto alto para que volte a sorrir, para que volte a dançar. aqueles olhos negros e opacos nunca me enganaram...

9 comentários:

jorge esteves disse...

Nem sempre as margarias têm aquele sorriso aberto, nem sempre são flores; às vezes são... dores!
(mas a Primavera vem aí...)

abraço!

Pepe Luigi disse...

Belíssimo conto com riquíssimo poder de ficção.
Parabéns!

Um beijinho
do Pepe

Onda Encantada disse...

Ah! Ainda falta à Margarida, talvez, aprender que só quando se curar primeiro a ela, poderá então curar os outros, não é? *sorriso*

E que a dor do coração se cura, também com Amor no coração... hum... e que tal... o Amor por ela própria?

xiii... ainda bem que a avisaste dos olhos negros... *sorrindo*

Está lindo Clotilde. Amei.

Abraço de luz com muito Amor

Onda Encantada

P.S. Linquei o teu blog, espero que não te importes.

Pitanga Doce disse...

Há pessoas que amam o Amor. Há pessoas que precisam do ato de amar e aí amam sozinhas. São as que magoam-se mais. Margarida deve ser assim.

beijos e eu volto

Rosa Maria disse...

Gostei da mistura de canela e jasmim, tive curiosidade e vim espreitar.

Achei lindo aquilo que li. Voltarei!

Abraço

Maria P. disse...

Há pessoas que precisam de amar para se sentirem vivas.
Gostei muito.

Beijinho Amiga*

LuzHarmonia disse...

Minha Querida,
Muito obrigada por me teres ido chamar.
Adorei ler-te (como sempre).
Fiquei fã da Margarida.
Um Beijo cheio de Luz

Fernando Vasconcelos disse...

Gostei muito Clotilde. Não sei porquê (talvez por teres utilizado o termo Bistrôt) lembrou-me imediatamente Paris e Piaf. Talvez também pela própria Piaf, não sei. Vou passar a visitar-te regularmente, vai já para a minha lista de preferidos.

Clotilde S. disse...

Um grande obrigada a todos!

Voltem sempre!